POR QUE, NA TERRA DO CAFÉ, O VIADUTO CENTRAL É "DO CHÁ"? - José Arouche de Toledo Rendon

Sempre, sempre, quis saber a razão pela qual o principal viaduto do centro da cidade é a homenagem ao chá e não ao café.
A chave da questão passa por uma personalidade de extrema importância na vida de São Paulo - José Arouche de Toledo Rendon.

O ilustre paulista nasceu em 14 de março de 1756 e falecera em 26 de julho de 1834. Estudou Direito em Coimbra de 1774 a 1779, voltando a São Paulo após seu bacharelado.
Em São Paulo, desempenhou dezenas de atividades dentre as quais a de advogado, juiz, militar ocupando diversas patentes, fazendeiro e poeta. Entrou para a atividade militar em 1789. Em 1817, coube a ele organizar dois "corpos de voluntários" para a luta com os espanhóis no sul (Banda Oriental do Prata, Cisplatina ou Uruguai). 
Entre as atividades que não darei destaque foi Fiscal da Casa de Fundição do Ouro de São Paulo, diretor geral dos índios da província, foi juiz de órfãos, diretor de obras do Jardim Botânico de São Paulo, diretor de arruamentos, provedor da Santa Casa de Misericórdia, foi representante da fazenda perante a Fábrica de Ferro de Ipanema e depois representante dos acionistas da mesma companhia posteriormente chamada de Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema (ver http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-ipanema/ e http://pensamentoparaoseculoxxi.blogspot.com.br/2017/11/o-heroi-multitarefas-jose-bonifacio-de.html). Foi agente determinante na reabertura de fábricas de tecido de algodão e de seda. Exerceu o Comando das "Villas do Norte" ou vale do rio Paraíba e diversos cargos políticos.

Em 1808, representou São Paulo perante o príncipe regente recém-chegado ao Brasil (futuro D. João VI). Em 1821, representante da Câmara de São Paulo para que D. Pedro I não retornasse a Portugal (Fico). Em 1822, foi eleito como parlamentar de São Paulo para a Constituinte da 1ª Constituição ficando no cargo até que o Imperador fechasse a Assembleia Constituinte em 12 de novembro de 1823. Esteve na mesma comitiva de José Bonifácio em que o D. Pedro convenceu o patriarca a abraçar a causa da independência e assumir o Ministério (Rodrigues, 1975, 214). 

Dou destaque a quatro aspectos de suas atividades.

Como constituinte defendeu a criação de faculdades de direito em São Paulo e Olinda, o que não se concretizou antes do encerramento dos trabalhos pela imposição do Imperador.
D. Pedro I finalmente criou as faculdades de direito em 11 de agosto de 1827 por seu decreto. Era preciso instalá-las. Quem iria instalar e ser o primeiro diretor da faculdade do Largo de São Francisco? O Presidente da Província em 22 de setembro de 1824 atribuiu a Toledo Rendon a importante missão.


Como professor da faculdade, exercia a cátedra de processo. Interessante ver que ele se formou no auge do liberalismo, mas mesmo assim, dentro dos elementos que se permitia, tinha forte noção do que hoje chamamos de função social. Nas concepções atuais, a função social da propriedade é baseada no respeito ao próximo, é atividade em favor de terceiro. Não é o que era possível sustentar na época. Em interessante texto que relata a situação da província à Câmara de São Paulo, fala das dificuldades da produção nas terras férteis, mas infestadas de formigas, e da possibilidade do Estado exigir a prosperidade de seus cidadãos. Nesse contexto, desenvolve o raciocínio (Toledo Rendon, 1978, p. 9):
A experiência e a necessidade têm feito inventar muitos meios de matar e de tirar os formigueiros. A obrigação do assim o fazerem todos facilitará com o tempo esses e outros meios (...). Basta que o público, auxiliado do governo, faça uma lei inexorável pela qual se mande dar por devolutas as terras que outro não cultiva, (...) particulares a zelarem de suas fazendas, pois ainda que cada um tenha direito ao que é seu, por Direito Público o Soberano ou quem o representa pode obrigar os particulares a trabalharem e aumentarem os seus bens; por isso convém que cada um seja obrigado a extinguir todos os formigueiros dentro dos ou valados, e aqueles que estão ao redor, de onde se comuniquem os canais para os ditos cercados, debaixo da pena do público os fazer tirar à custa do dono da propriedade, dando-se a cada um o tempo conveniente e a liberdade de procurar nas aldeias índios assalariados.  

O autor mostra em seu texto "Reflexões sobre o estado em que se acha em que se acha a agricultura na Capitania de São Paulo" de 1788 um elemento de combinação de interesse privado e público.

Outro fator importante é que foi o diretor de índios da capitania. Por ter exercido a função, acabou por redigir outro documento fazendo proposições de dar maior liberdade aos índios e integrá-los na sociedade recém libertada pela independência. Em ofício datado de 1823, relata que os índios, embora legalmente livres, muitas vezes ficavam nos aldeamentos de administração de uma autoridade civil ou laica e outra religiosa incumbida da escola. Os índios faziam serviços assalariados, mas tinham que arcar com as despesas do aldeamento à autoridade civil e das atividades religiosas, ficando pouco dinheiro para o sustento próprio. Embora fossem livres, eram moralmente censurados se não cumprissem os deveres religiosos e, em caso de reincidência, sofriam castigos físicos. Uma das hipóteses de punição mais séria era a fuga (!!). Apesar dos castigos, evidentemente, os índios fugiam para outras áreas do Brasil. Nesse ambiente, o antigo diretor de índios defendia o fim desses aldeamentos. 

Mas não queríamos discutir a razão do viaduto central de São Paulo, feito com o dinheiro do café, ser em homenagem  ao Chá?

Aí vem a resposta, como fazendeiro, Arouche Toledo Rendon adaptou a técnica de cultivo do chá a partir de mudas trazidas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. De lá estudou e escreveu sobre a experiência de um padre (Frei Leandro do Sacramento) que descobrira o segredo chinês do cultivo e da forma correta de obter o aroma das folhas e realização da infusão (Obras, 1978, p. 18). Arouche de Toledo Rendon tinha sua fazenda na região do atual Largo do Arouche e do bairro chamado Vila Buarque. Teve aproximadamente 20 mil mudas de chá em sua fazenda, o que, provavelmente, acabou por se espalhar por toda a região. O morro em que hoje está o Teatro Municipal de São Paulo era chamado de "Morro do Chá", é onde fica a segunda extremidade do famoso viaduto. Os campos de chá de José Arouche de Toledo Rendon são citados inclusive na obra de Levino Porcino ao tratar da Vila Buarque (2001, 207).

Na obra de Silvia Costa Rosa (2003, p. 66), fala-se exatamente do "Morro do Chá" onde se construiu o Teatro Municipal. O Viaduto do Chá original era de metal, construído em 1892 e tinha a cobrança do que hoje chamamos de pedágio para aqueles que o usavam. Na época da construção do viaduto, o proprietário das terras, inclusive do "morro do chá" era o Barão de Itapetininga. 
Há fotos do antigo viaduto nas páginas indicadas (https://theurbanearth.wordpress.com/2013/08/26/o-viaduto-do-cha-de-jules-martin/http://histormundi.blogspot.com.br/2012/06/imagens-historicas-11-viaduto-do-cha.html e http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1900.php). O atual viaduto é posterior a 1938, quando foi demolido o antigo.


O homenageado pela cidade também era poeta e escrevia sobre vários temas: patriotismo, paz, segurança pública e antepassados honrados. Destacam-se trechos (Obras, 1978, páginas 68, 69 e 75):

Só tu digno de estátua de alabastro 
Digno de bronze, que os heróis distingue;
Luminoso Astro, 
Só a tua virtude não se extingue:
Teu nome fugirá do esquecimento 
Enquanto houver no mundo entendimento.
(...)
Se de teus imortais antepassados 
Existe o nome no pregão da história 
Não é porque alentados
Conseguiram a morte com imensa gloria;
É mais porque seguiram como herdade
Benefícios fazer à humanidade.

(...)
Em diferentes altares do áureo templo
Os Silveiras estão, esses Silveiras
Que de valor nos deram raro exemplo
Do inimigo rompendo-lhe as fileiras. 
Ali vem um Fernão que já cansado 
De Triunfar, sempre guerreiro e forte,
à violência cedeu de foice armada, 
Deixando a vida por despojo à morte.
E em defesa da pátria, e da coroa

Ganhou asas com que ao céu se voa.
Embora militar, Arouche Toledo Rendon era o homem da estruturação e perdeu o filho na campanha para a conquista da Banda Oriental do Prata. 

Da história desses homens do tempo da Independência, vê-se que realizavam uma série de atividades importantes que marcaram o desenvolvimento nacional. Desses, um deles, teve grande importância na vida da cidade com projeção nacional, daí ser homenageado na Faculdade de Direito da USP, no Largo do Arouche, na rua do Arouche e ter influência, ainda que indireta, pela implantação da cultura de chá que levaria, no futuro, ao batismo do Viaduto do Chá.


Bibliografia:


A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-ipanema/, consultado em 14 de fevereiro de 2018.
História Mundi: Imagens Históricas 11 - Viaduto do Chá,

http://histormundi.blogspot.com.br/2012/06/imagens-historicas-11-viaduto-do-cha.htmlconsultado em 14 de fevereiro de 2018.
PONCIANO, Levino. Bairros Paulistanos de A a Z, São Paulo: Senac/SP, 2001.
RODRIGUES, José Honório. Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
ROSA, Silvio Costa. 1001 Ruas de São Paulo, São Paulo: Editora Panda, 2003

TOLEDO RENDON, José Arouche. Obras, Coleção Paulística, vol. III, São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.
The Urban Earth: O Viaduto do Chá de Jules Martinhttps://theurbanearth.wordpress.com/2013/08/26/o-viaduto-do-cha-de-jules-martin/, consultado em 14 de fevereiro de 2018.
Verbete Rua Barão de Itapetininga, http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/ListaLogradouro.aspx, consultado em 27 de fevereiro de 2018.



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