ARTUR DE AZEVEDO - O DRAMATURGO

Revisitar a cultura nacional pode se dar de diversas formas e por vários roteiros. 
Vamos iniciar a análise no blogue por Artur de Azevedo: 1855 - 1908. Artur Nabatino Gonçalves de Azevedo era irmão mais velho do autor maranhense que escreveu "O Mulato" e "Casa de Pensão", Aluísio de Azevedo.


Artur de Azevedo foi jornalista, cronista, contista, poeta e autor de teatro do Brasil, além de ser servidor público. Foi titular da Academia Brasileira de Letras como fundador, titular da cadeira de número 29.
Com seu estilo satírico, perdeu seu emprego público no Maranhão por seus textos críticos às autoridades. Foi para o Rio de Janeiro, onde exerceu suas profissões e talentos.
Escreveu peças como "A joia", "A Capital Federal", "A Almanjarra", "O Mambembe", "O genro de muitas sogras" entre outras.

Nos contos, destacou-se por "Contos fora de moda", e mais dois volumes, "Contos cariocas" e "Vida alheia".
Ao retratar o seu tempo com críticas sociais e retratos do Rio de Janeiro, escreveu em "A Capital Federal" (AZEVEDO, 2008, 128 e 129, 140):

Das algibeiras some-se o cobre, 
como levado por um tufão!
Carne de vaca não come o pobre, 
E qualquer dia não come pão! 
Fósforos, velas, couve, quiabo, 
Vinho, aguardente, milho, feijão,
Frutas, conservas, cenouras , nabos, 
Tudo se vende pr'um dinheirão!


Não há rua como a Rua
Que se chama do Ouvidor!
Não há outra que possua
Certamente o seu valor!
Muita gente há que se mace
Quando seja por que for, Passe um dia sem que passe
Pela Rua do Ouvidor!

Mostrando a mudança política da Monarquia para a República, escreveu em "O mambembe" (AZEVEDO, 2008, 261):
O imperador do Divino
Ninguém poderá dizer
Que tenha o mesmo destino
Do Imperador a valer...

Mais parece o presidente.
Porque o presidente sai...
E pro lugar ainda quente
Outro presidente vai!

Essa peça foi encenada por Fernanda Montenegro e é remontada de tempos em tempos. Segue uma página eletrônica com notícias sobre a peça - http://botequimcultural.com.br/critica-o-mambembe/ .

O autor defendeu a criação de um Teatro Municipal no Rio de Janeiro que só foi inaugurado poucos meses  após a sua morte.


Na defesa da abolição da escravatura escreveu matérias jornalísticas diversas e as peças "O Liberato" e "A família Salazar". Escreveu muitas vezes com pseudônimos para evitar a censura imperial. As peças foram compiladas na obra "O Escravocrata", disponível na página Domínio Público. Nos diálogos, o autor põe o clima da época e a indignação na escravidão, relatando desde o comércio de escravos aos hábitos da época. Seguem diálogos  (AZEVEDO, 1884, folhas 4 e 15):

SALAZAR — Eu vou mais adiante: sujeito que tentou sem resultado todos os empregos, profissões e indústrias, e em nenhum conseguiu reputação ou fortuna, por ser incapaz, indolente, prevaricador ou estúpido, arvora-se por último em abolicionista, para ver se deste modo segura os pirões.
SEBASTIÃO- E com que desprezo nos chamam de escravocratas! Dizem que negociamos em carne humana, quando são eles que traficam com a boa-fé dos papalvos, e lhes vão limpando as algibeiras, por meio de discursos e conferências!
SALAZAR — Exploram o elemento servil pelo avesso, sem os percalços do ofício. Ao menos nós damos aos negros casa, cama, comida, roupa, botica e bacalhau.
 (...)
DOUTOR — Sim. Se bem que não apresente como paladino, faço modestamente tudo quanto posso pela causa da emancipação dos escravos. (Pausa.) Estou perfeitamente convicto de que a escravidão é a maior das iniquidades sociais, absolutamente incompatível com os princípios em que se esteiam as sociedades modernas. É ela, é só ela a causa real do nosso atraso material, moral e intelectual, visto como, sendo a base única da nossa constituição econômica, exerce a sua funesta influência sobre todos os outros ramos da atividade social que se derivam logicamente da cultura do solo. Mesmo no Rio de Janeiro, esta grande capital cosmopolita, feita de elementos heterogêneos, já hoje possuidora de importantes melhoramentos, o elemento servil é a pedra angular da riqueza. O estrangeiro que o visita, maravilhado pelos esplendores da nossa incomparável natureza, mal suspeita das amargas decepções que o esperam. Nos ricos palácios como nas vivendas burguesas, nos estabelecimentos de instrução como nos de caridades, nas ruas e praças públicas, nos jardins e parques, nos pitorescos e decantados arrabaldes, no cimo dos montes, onde tudo respira vida e liberdade, no íntimo do lar doméstico, por toda a parte, em suma, depara-se-lhe o sinistro aspecto do escravo, exalando um gemido de dor, que é ao mesmo tempo uma imprecação e um protesto. E junto do negro o azorrague, o tronco e a força, trípode lúgubre em que se baseia a prosperidade do meu país! Oh! não! Cada dia que continua este estado de coisas, é uma cusparada que se lança à face da civilização e da humanidade! Sei que me acoimarão de idealista, alegando que não se governam nações com sentimentalismos e retóricas. Pois bem, há um fato incontroverso e palpável, que vem corroborar as minhas utopias. E sabido que os imigrantes estrangeiros não procuram o Brasil ou não se conservam nele, por não quererem emparceirar-se com os escravos. A escravidão é uma barreira insuperável à torrente imigratória. Portanto penso que só há uma solução para o problema da transformação do trabalho: a espada de Alexandre!


Mais de um século antes do Youtube, Artur de Azevedo escrevia as paródias em suas obras. A autora do prefácio da obra "Melhor Teatro: Artur Azevedo" - Barbara Heliodora - chama a atenção para um tipo de obra desenvolvida na época por ele. Era uma retrospectiva em sátira do ano concluído, reproduzo a propaganda da época que ela destacou  (AZEVEDO, 2008, 11):

Convidamos o respeitável público a assistir, na noite de 20 do corrente, no Teatro S. Luis, à autópsia do cadáver de 1877 feita pelos srs. Artur Azevedo e Lino d'Assumpção.

Em seus roteiros teatrais há  música e muitas rimas, o que não era feito à toa, era maneira de fazer fixar o texto na mente do público. 
Rica observação é feita por outro prefaciador do dramaturgo - Flávio Aguiar - num paralelo entre um tipo de narrativa surgida na França, o fabliaux, e a obra de Artur de Azevedo aplicável ao rápido crescimento do Rio de Janeiro na virada do Século  (AZEVEDO, 2009, XXIV):

Os fabliaux são narrativas surgidas no norte da França, entre os Séculos XII e XIII. Narram fatos da vida cotidiana, de classes altas, remediadas ou baixas, a sua popularidade se liga ao desenvolvimento nas cidades  que vão deixando tomar pelo estilo gótico, de uma classe média interessada em histórias atraentes, de fácil memorização (que o verso faculta) espelhando o universo em transformação, cheio de surpresas e relativização da moral e das verdades até então imutáveis. 

Se a crítica social e a irreverência marcam o nome do personagem da peça, na vida real a Rua Artur de Azevedo poderia ser dedicada a ele, uma vez que é um dos principais  palcos do carnaval de rua de São Paulo.





Bibliografia e Sugestão de Leitura:

Academia Brasileira de Letras, disponível na página eletrônica http://www.academia.org.br/academicos/artur-azevedo/biografia , consultado em 30 de janeiro de 2018.

AZEVEDO, Artur. Contos em Verso: Artur Azevedo; edição organizada por Flávio Aguiar, São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 

______________. Melhor Teatro Artur Azevedo, seleção e prefácio de Bárbara Heliodora, São Paulo: Global, 2008.  

______________. O Escravocrata,
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000073.pdf, consultado em 30 de janeiro de 2018.


Botequim Cultural - Crítica: o Mambembe, http://botequimcultural.com.br/critica-o-mambembe/, consultado em 12 de fevereiro de 2018.

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