A EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL E A DEMOCRACIA DE SUFRÁGIO UNIVERSAL
Uma das grandes conquistas contemporâneas foi o desenvolvimento
da democracia com acesso universal. No caso brasileiro, embora lembremos com
carinho da própria Constituição de 1988, ela foi alcançada após o movimento das
“Diretas Já” com o acesso dos analfabetos ao voto, o que ocorreu com a Emenda
Constitucional n. 25/1995. O ciclo de ampliação da participação no Brasil fora
completado com o último grande grupo que faltava incluir no colégio eleitoral.
Relembre-se que a ampliação da participação política na história
foi a conquista paulatina de direitos de vários segmentos sociais. Vejamos o
ciclo até a chegada da quase totalidade de participação dos brasileiros.
Na luta contra o absolutismo português, embora com o Poder
Moderador, a Constituição Imperial de 1824 admitia a participação política de
decisões importantes, mas apenas das camadas mais ricas da população. No
chamado “voto censitário”, exigia-se que o eleitor fosse homem e tivesse renda
mínima para o exercício do voto e renda superior para alçar a qualidade de candidato.
Para que a matéria não fique na mera referência de quem escreve, segue o trecho
da própria constituição imperial:
Art. 92. São excluidos
de votar nas Assembléas Parochiaes.
V. Os que não tiverem
de renda liquida annual cem mil réis
por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos.
Art. 93. Os que não
podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem
votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local.
Art. 94. Podem ser
Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos
Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem
de renda liquida annual duzentos mil
réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.
III. Os criminosos
pronunciados em queréla, ou devassa.
Art. 95. Todos os
que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de
renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94.
II. Os Estrangeiros
naturalisados.
III. Os que não
professarem a Religião do Estado.
A despeito do julgamento histórico benéfico dos historiadores em
relação ao império brasileiro, ao longo dos dois reinados e do período da
regência não houve qualquer esforço de inclusão de participantes na vida
política nacional. A inclusão de eleitores só se daria com o crescimento
econômico seguido da distribuição de renda, o que não foi uma política dos
imperadores. Mesmo a liberdade dada aos antigos escravos não significava a sua
inclusão como cidadãos, ainda que tivessem renda, pois era negada a cidadania
política os libertos.
Após as diversas questões políticas e a libertação dos escravos,
foi Proclamada a República em 1889 e, posteriormente, promulgada a 1ª
Constituição Republicana Brasileira, a de 1891. Um passo muito importante foi
dado em favor da participação. Foi abolida a necessidade de renda mínima, mas o
voto continuou restrito aos homens com idade mínima de 21 anos e que fossem
alfabetizados. Para os mais interessados, segue a referência constitucional:
Art 70 - São eleitores
os cidadãos maiores de 21 anos que
se alistarem na forma da lei.
§ 1º - Não podem
alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:
1º) os mendigos;
2º) os analfabetos;
3º) as praças de pré,
excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;
4º) os religiosos de
ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer
denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a
renúncia da liberdade Individual.
§ 2º - São inelegíveis
os cidadãos não alistáveis
Houve uma grande evolução, mas o império não deixou uma grande
estrutura de educação para o século XX. A participação continuou restrita. Mas
a república trouxe algo que deve ser olhado com atenção. A instrução pública
não era apenas um ato didático de ensino de cultura ou viabilização de
aquisição de profissões, mas passou a ser um mecanismo de inclusão de cidadãos
na participação nacional. Não foi à toa que surgiram movimentos de operários e
de classe média.
Curiosamente, foi de um golpe de Estado que questionava as
oligarquias brasileiras que surgiram passos importantes para a ampliação da
participação. Deve-se lembrar de que a ampliação da participação não foi dada,
mas conquistada. Após a revolução de 1930, Getúlio Vargas assume o Poder, mas
não faz a revisão das instituições, o que levou à revolução constitucionalista
de 1932. Independentemente da revolução, líderes femininas e grupos de mulheres
faziam movimentos em favor da inclusão das mulheres na participação eleitoral (Josefina Álvares de Azevedo, Leolinda
de Figueiredo Daltro, Gilka Machado e seu Partido Republicano Feminino, Bertha Lutz e as "Ligas para o Progresso
Feminino"). Resultado da pressão social surge
a Constituição de 1934:
Art. 108 - São
eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que
se alistarem na forma da lei.
Parágrafo único - Não
se podem alistar eleitores:
a) os que não saibam
ler e escrever;
b) as praças-de-pré,
salvo os sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do
Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os
aspirantes a oficial;
c) os mendigos;
d) os que estiverem,
temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.
Art 109 - O
alistamento e o voto são obrigatórios para
os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública
remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.
A participação política começa com cidadãos mais jovens, a
partir dos 18 anos, as mulheres são incluídas na participação política. Para
reduzir a fraude eleitoral, grande problema a macular as eleições da 1ª República, são
instituídos o voto obrigatório e a criação da Justiça Eleitoral:
Art 83 - À Justiça Eleitoral, que terá competência privativa para
o processo das eleições federais, estaduais e municipais, inclusive as dos
representantes das profissões, e excetuada a de que trata o art. 52, § 3º,
caberá:
a) organizar a divisão
eleitoral da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, a qual
só poderá alterar qüinqüenalmente, salvo em caso de modificação na divisão
judiciária ou administrativa do Estado ou Território e em conseqüência
desta;
c) adotar ou propor
providências para que as eleições se realizem no tempo e na forma determinados
em lei;
d) fixar a data das
eleições, quando não determinada nesta Constituição ou nas dos Estados, de
maneira que se efetuem, em regra, nos três últimos, ou nos três primeiros meses
dos períodos governamentais;
i) decretar perda de
mandato legislativo, nos casos estabelecidos nesta Constituição e nas dos
Estados.
É verdade que o período de participação não durou muito tempo, logo
em 1937, sob a suposta ameaça comunista, houve novo golpe de Estado e a outorga
da constituição polaca de 1937. Mas as instituições criadas em 1934 ganharam
raízes fortes em nossa história e serviram de base para a Constituição de 1946
e de 1988. As constituições em períodos ditatoriais brasileiros, embora não
abrissem a participação efetiva em escala estadual e nacional, mantinham a
estrutura democrática no texto da Constituição “para inglês ver”, numa
tentativa de parecerem legítimas as estruturas instaladas (art. 117 da
Constituição de 1937, arts. 142 e 143 da Constituição de 1964, arts. 147 e 148
da Constituição de 1969).
Novo avanço na luta contra a fraude eleitoral veio na
Constituição de 1946, a instituição do voto secreto:
Art 134 - O sufrágio
é universal e, direto; o voto é
secreto; e fica assegurada a representação proporcional dos Partidos
Políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer.
Após a redemocratização posterior ao movimento “diretas já”,
como já dito acima, a Emenda Constitucional n.25/1985 revogou a vedação do
alistamento eleitoral para os analfabetos.
Em 1988, a Constituição Federal ampliou a participação: incluiu-se
o voto facultativo dos menores de 18 anos e maiores de 16 anos. O voto também
se tornou facultativo para os analfabetos e maiores de 70 anos:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
Nota-se, então, que a participação popular não foi dada, mas
conquistada por mais de século de evolução. Também não foi um ganho histórico
espontâneo, mas o produto de revoluções, protestos e movimentos populares,
sendo a expressão na Constituição o momento da consagração dos anseios
populares.
Existindo o direito de participar, cada cidadão possui parte da
responsabilidade pelos rumos da sociedade e cabe apontar o que já ensinavam os
antigos atenienses sobre essa importante prerrogativa. Os que tinham o direito
de participar e não participavam faziam uma opção desprezada pelos gregos. As
decisões políticas influíam na vida daquele que se omitiam e, por vezes, o
prejudicavam. Aquele que se omite permite que a maioria decida o seu destino. Pode
ser que, por coincidência, a maioria tenha o mesmo interesse do omisso, mas o
mais comum é que a decisão será tomada sem considerar o interesse do ausente às
assembleias e votações. Seu comportamento de não comparecer tinha o efeito
prático de anuir no que a maioria queria. O fato político é simples: para cada
votação uma concepção é favorável ao particular e a outra é contrária. Se o
indivíduo não comparece, não faz a avaliação do que lhe interessa, dando espaço
para que os que pensam em sentido contrário ao seu tenha mais força ou ao menos
mais chance de ganhar. O omisso colabora com seus adversários. O nome dado para
o que tinha o direito de influir nos rumos da política que se omitia era idiota. Em parte, é o que ocorre
com quem anula ou vota em branco, pois achando que faz um protesto, colabora
com a maioria.
A democracia com sufrágio universal tem consequências práticas,
qual seja, inicia-se um sistema político em que todas as classes sociais são
representadas. Nesse contexto, o Estado passa a manter políticas públicas para
os mais, ricos, para a classe média e para os mais pobres. Os serviços públicos
espelham tais anseios, seja no estabelecimento de políticas culturais, seja no
atendimento ao consumidor, seja na prestação de serviços de educação e saúde
pública.
A inserção de todas as classes sociais na participação popular
se dá pelo reconhecimento de direitos por leis que não são coerentes entre si,
mas às vezes sobrepostas e até conflituosas em sua letra e concretização. Surge
o que se chama de inflação normativa com a produção de leis em escala para a
proteção dos mais variados públicos, em consequência, surgem variados tipos de
serviços públicos e uma pretensão de universalização dos serviços existentes.
Não há uma redução do Estado nesse contexto, mas um agigantamento atual e com
tendência ao crescimento e não redução.
Enfim, a conquista da participação por todos traz uma pauta de
anseios por direitos e serviços públicos que cresce à medida que se constatam abusos
de direitos ou novas tecnologias e mesmo situações novas na sociedade.
Sugestões de leitura:
CORTELLA, Mário
Sérgio; JANINE RIBEIRO, Renato. Política
Para Não Ser Idiota, 9. ed. Campinas: Papirus – 7 Mares, 2011.
MEDEIROS, Fábio
Mauro de. República e seus Efeitos na Vida
do Cidadão in Caderno de Finanças
Públicas, v. 13, Brasília: Escola de Administração Fazendária, 2013, 249-271 - http://www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/biblioteca/arquivos-gerais/arquivo.2014-12-11.7807996922
, consultado em 04/07/2016.
NICOLAU, Jairo. História do Voto no Brasil, 2ª Edição, [...]: Zahar, [...], e-book.
PEREIRA,
Rodrigo Rodrigues; DANIEL, Teofilo Tostes. O Voto
Feminino No Brasil, http://www.prr3.mpf.mp.br/institucional2/180-o-voto-feminino-no-brasil,
consultado em 04/07/2016.
Sugestão de documentário:
https://youtu.be/fIZ5uUBQyOc
Sugestão de documentário:
https://youtu.be/fIZ5uUBQyOc
Drauzio Varella trouxe o estudo de Ben Lendrem que define o idiótico (concepção da medicina) como "o risco sem sentido, em que a recompensa aparente é insignificante ou inexistente e as consequências extremamente negativas e frequentemente fatais.
ResponderExcluirFolha de São Paulo, Ilustrada, C8, Sábado, 23 de julho de 2016. "Idiotice Masculina"