PESQUISA PARA O DESENVOLVIMENTO OU PARA O INTELECTUAL?

A Folha de São Paulo tem acompanhado todo domingo as discussões sobre a nova base curricular promovida pelo Ministério da Educação - MEC e um dos tons da discussão é se o conhecimento ou a pesquisa deve ser pura ou voltada para a prática.
A contraposição nos faz lembrar a história de um grande pensador da humanidade - Arquimedes. Arquimedes era um gênio que, perdido em seu pensamento, esquecia de comer e tomar banho. Após uma de suas principais descobertas saiu correndo pelado por Siracusa. Naturalmente, o simpático gênio pensava que a resolução pura de equações e problemas matemáticos era uma finalidade em si e que as máquinas que poderiam ser desenvolvidas como consequência prática do pensamento eram de menor importância. Podemos nos ancorar na opinião do gênio e sustentar que realmente a pesquisa pura e abstrata é que deve ser buscada, mas não é o que realmente acontecera.
O gênio era parente do Rei Hieron ou Hierão de Siracusa (variação que dependendo da tradução). O vivo monarca sabia da importância de um intelectual na Côrte e ele provocou diversas descobertas pelo desprendido gênio.
Vários são os casos, limitemo-nos a três. Em conversa com o rei, Arquimedes deu a entender que se tivesse um ponto de apoio poderia deslocar o mundo. Diante da arrojada afirmação e pensando em um problema real enfrentado pelos construtores de navio da cidade, o Rei fez um desafio: Arquimedes devia mover o navio mais pesado construído em Siracusa usando suas máquinas. Naturalmente, todo o povo da pequena Siracusa conhecia a situação, sabia que o barco não era deslocado sequer pelos escravos mais fortes e conhecia o estranho intelectual, ou seja, a população se apinhou para ver o dia do desafio em prédios, muralha, tetos e à volta do experimento. Observe-se que o navio estava tripulado para fazer o desafio impossível. Utilizando dos conceitos de física (alavanca e roldanas), o gênio construíra uma máquina que movia com facilidade a pesada nave. Após usá-la e mover o navio, deixou que o rei experimentasse a máquina, movendo novamente a pesada nave. Arquimedes superou o obstáculo aplicando o conhecimento. O rei proibiu que qualquer do povo zombasse do intelectual e conseguira uma inovação tecnológica para Siracusa e para a humanidade.
Também partiu de Hieron o desafio a Arquimedes de descobrir se a coroa feita por ourives reais empregava exclusivamente ouro - ouro  maciço. A situação curiosa era a seguinte; o rei passara um quilo de ouro aos ourives e estes fizeram uma bela coroa cuja face externa era dourada. O rei achou estranho que ficava com o pesado metal na cabeça e não cansava. Passou a desconfiar que não havia todo o ouro entregue aos ourives na estimada coroa, mas não queria desfazê-la. Perdeu o sono. Como descobrir se fora enganado? Como chegar à conclusão sem desfazer a coroa? A solução era Arquimedes. O novo desafio intrigou o gênio.
Contam os autores que os relatos da época diziam que Arquimedes passava horas olhando para a coroa. Pegou uma barra de 1 quilo de ouro no tesouro de Siracusa e ficou meditando. Olhava a barra e a coroa e nada, nenhuma solução vinha à cabeça. Deixou de comer, deixou de se banhar, não fazia mais a barba. Após alguns dias, os escravos da família forçaram-no a tomar banho. Carregaram-no até o estabelecimento de banho público e esperaram encher a banheira de água. O contrariado gênio relutava e tentava não entrar na banheira. Até que foi posto na banheira e percebeu que parte da água foi deslocada derramando pelas laterais. É isso! Eureka! Cada corpo tem um volume que desloca uma massa equivalente de água ao ser mergulhado no recipiente! O empolgado gênio não esperou o final do banho para contar a novidade ao rei, saiu correndo nú pela cidade gritando "Eureka". Com o método percebido, pôde definir a massa de um quilo de ouro e ver que a quantidade deslocada de água pela coroa não era a mesma. Sem desfazer a coroa, definiu-se que não era de ouro maciço, mas de mistura de metais. Os ourives foram presos. Hieron resolveu o problema imediato e, pela superação de mais um desafio, deixou o produto do pensamento do gênio para Siracusa e para a humanidade. 
A geopolítica de Siracusa era delicada. No final do reinado de Hieron, Roma projetava sua expansão na Itália e Cartago projetava seu crescimento nas ilhas do Mediterrâneo. O vivido rei percebera que a colisão entre as potências seria inevitável e Siracusa estava no meio do caminho. Evidente que em algum momento a cidade seria invadida por qualquer dos rivais em expansão. Novamente o rei voltou-se para Arquimedes. O rei convenceu o gênio de que ele precisava criar máquinas de defesa da cidade. Foi o que foi feito. Após a criação das máquinas, os operadores foram treinados em seu uso e tinham ordem expressa de mantê-las em bom estado para qualquer eventualidade. Hieron morreu e não as viu em atividade. Um de seus sucessores aliou-se a Cartago, o que atraiu a ira e o aparato militar de Roma contra Siracusa. O general Marcelo de Roma mobilizou seus exército, preparou máquinas de guerra e pensou ser a invasão fácil. Munido de muitos homens, navios e máquinas de guerra, partiu para uma invasão simultânea por terra e mar. Qual não foi a surpresa do General quando as máquinas foram acionadas. Verdadeiros guindastes despejavam pedras imensas destruindo seus navios. Máquinas atiravam os navios romanos contra as rochas. Lentes concentravam o foco de luz solar e promoviam incêndios nos navios romanos. Os navios que mais se aproximavam das muralhas da cidade eram içados por outras máquinas e afundavam com a nave praticamente em pé. Melhor sorte não tiveram as tropas de terra. As muralhas de Siracusa tinham pequenas fendas por onde passavam centenas de setas atiradas simultaneamente por uma máquina de Arquimedes. Nem a primeira e nem a segunda linha das tropas romanas conseguia se aproximar da muralha. Diante do massacre e prejuízo, Roma recuou. Um homem barrou um exército. Os romanos acabaram vencendo, mas por um cerco prolongado e não pela simples invasão.
Portanto, tomam-se dos exemplos da vida de Hieron e Arquimedes que o conhecimento deve ser aplicado e transformar-se em tecnologia. O desafio da realidade é o que impulsiona o gênio inventivo. As criações só são relevantes se postas em prática. Assim, todo o conhecimento deve ter seu suporte teórico, mas deve simultaneamente ter por finalidade a prática.
Se esse raciocínio vale em si. Vale quando o Estado tem por finalidade constitucional estabelecida a promoção do desenvolvimento (art. 3o, II e 219 da CF) social e tecnológico. Ora, num contexto em que o Estado deve promover o desenvolvimento, deve estimular pesquisas que tenham como característica a aplicação prática e sua incorporação no senso comum e no meio produtivo, tornando a cultura nacional mais forte e pronta para enfrentar novos desafios no futuro. A própria norma constitucional  (Art. 218, § 2º) estabelece isso: "A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional". Assim, O Estado Hieron deve estimular os gênios Arquimedes residentes no Brasil. Fica a reflexão.



Sugestões de Leitura:
BENDICK, Jeanne. Arquimedes: Uma Porta Para a Ciência. Coleção Imortais da Ciência, tradução de Cecília Prada, 2a Edição, São Paulo: Odysseus, 2006.
PLUTARCO. Vidas Paralelas. Segundo Volume, São Paulo:Paumape, 1991, p. 216.
NOVELLI, Luca. Arquimedes e suas Máquinas de Guerra. Coleção Gênios da Ciência. São Paulo: Ciranda Cultural, 2008.
GOMBERT, Noëlle; GOMBERT, Régis. O Incansável Gênio de Siracusa, pp. 20-25 in História Viva, Ano VII, n. 79, São Paulo: Duetto, [...].

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