A SAGA DAS ESMERALDAS

Escultura - parte da frente da E. E. Fernão Dias - Avenida Pedroso de Moraes
Tu foste, como o sol, uma fonte de vida:
Cada passada tua era um caminho aberto!
Cada pouso mudado, uma nova conquista!
E enquanto ias, sonhando seu sonho egoísta,
Teu pé, como de um deus, fecundava o deserto!
Morre! Tu viverá nas estradas que abriste!
Teu nome rolará no largo choro triste
Da água do Guaicuí...Morre, Conquistador!
(trecho da poesia de Olavo Bilac: O Caçador de Esmeraldas)


Já vimos a boa fama e bons feitos de Fernão Dias Pais. Bem, segue-se que chegou notícia ao reino de que existiam esmeraldas  no Brasil Central. Quem poderia ir na busca delas. Que tal um fiel cumpridor de deveres que inspire muitos outros dos seus? Com mais de 60 anos, Fernão Dias Pais é instado pelo próprio Rei de Portugal para promover a tão esperada busca em cartas. Assumida a tarefa, dá-se a ele grandes poderes em cargo criado para este propósito  - Governador das Esmeraldas.

O sábio aventureiro passou à sua própria conta a organizar a expedição e a convidar e animar todos os sertanistas de São Paulo a acompanhá-lo.

Casa do Bandeirante: Butantâ
Sua fama e seus feitos associados à riqueza que parecia certa assumiram uma proporção de entusiasmo geral. O governador tratou de apaziguar ânimos colocando como segundo homem da expedição alguém da facção Camargo dando um certo equilíbrio à composição da coluna.

A expedição chegou a cerca de 600 pessoas em viagem para o Brasil central.

A história da viagem muito lembra um drama grego, daí a predileção de muitos pela história épica. Cada aspecto das etapas da expedição ganharam destaque em momentos posteriores.
Foto da "Casa do Bandeirante" (Século XXVII) antes da recuperação: acervo do Museu da Cidade de São Paulo no Butantã
Por sua honra e empenho, por ordem do Rei de Portugal, foi investido de amplos poderes, não sendo a expressão o "Governador das Esmeraldas" um título honorífico, ou síntese de alcunha histórica, mas uma série de prerrogativas de comandante. Segue, para quem se interessar, a carta de autoridade determinada destinada a Fernão Dias. O respeitado bandeirante jurou e tomou posse dos poderes apenas em 2 de fevereiro de 1673, em Santos (reprodução do documento cod. 40 da Biblioteca Nacional, f. 79in Taunay, 1977,fl. 104):  
Affonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça etc. Porquanto tenho encarregado ao Capitão Fernão Dias Paes o descobrimento das Minas da prata, e Esmeraldas a que ora está a partir, para a Capitania de São Vicente e sendo a importancia deste negocio de tanta ponderação, e de tão grande conveniência para o serviço de Vossa Alteza, augmento de sua Real Fazenda e conservação deste Estado; convem que para melhor poder obrar nelle vá com posto, auctoridade e poder,  que melhor faça conservar a obediencia de todas as pessoas que a acompanharem; respeitando Eu as qualidades que na sua concorre; esperando delle que em tudo o que tocar as suas obrigações e as disposições do fim a que envio, se haverá muito conforme a confiança que faço de seu merecimento. Hei por bem de eleger, e nomear (como em virtude da presente faço) Governador de toda a gente que tiver mandado adiante para o dito descobrimento, levar consigo, ou for depois a encorporar-se com elle, assim de guerra, como de outra qualquer condição, e com este posto usará da insignia que lhe toca, e gosará de todas honras, graças, franquezas, privilegios, preeminencias, isenções e liberdades que lhe tocam, podem e devem tocar aos que nesse Estado tiveram semelhantes postos aliás occupaçoes. Pelo que o hei por mettido de posse, dando juramento nas mãos do Capitão-Mor da dita Capitania e ordeno ao mesmo Capitão-Mor e aos outros (sic) quaesquer por onde for, e aos Officiaes Maiores, e menores das Milicias, Fazenda e Justiça dellas, Camaras de quaesquer Villas daquelas Capitanias, e em particular a de São Vicente e São Paulo, e mais pessoas de todas ellas, o hajam, honrem, estimem e reputem por tal Governador da dita gente, e mando aos Officiaes Maiores e Capitães que da dita gente que o acompanharem, tiver ido, ou se for encorporar com ella, façam o mesmo, e o obedeçam, cumpram e guardem todas suas ordens de palavras, ou pro escripto, tão pontual e inteiramento como devem, e são obrigados, para a firmeza do que lhe mandei passar a presente sob seu signal, o sello de minhas armas, a qual se registrara nos livros da Secretaria do Estado, e nos das Camaras das referidas Villas de São Vicente, e de São Paulo, Antonio Garcia a fez nesta Cidade do Salvador, da Bahia de Todos os Santos, em os trinta dias do mez de outubro, Anno de mil sis centos setenta e dous. BernardoVieira Ravasco a fiz escrever. Affonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça.

Fernão Dias tinha certeza de que acharia as pedras preciosas, por isso evitou pegar dinheiro da coroa e alugou por sua conta índios de outras famílias. Mandou, antes da coluna principal, grupos que se encarregaram de abrir picadas e plantar roças a fim de dar sustento aos homens na empreitada. Atraiu os mais corajosos homens, os mais prósperos e deu exemplo levando dois de seus filhos que tomaram parte central no drama  - Garcia Rodrigues Paes Leme e José Dias Pais Leme.
Com base em relatos por parentes, historiadores apontam os locais por onde passaram os bandeirantes nessa expedição. Affonso de Taunay (1977, 117) e Francisco de Assis Carvalho Franco (1989, 283): Vituruna, Paraopeba, Sumidouro* (do Rio das Velhas), Roça Grande**, Tucumbira, Itamerendiba, Esmeraldas, Mato das Pedras e Serra Fria. Esperava-se encontrar as pedras no lago Vupabussu.

Apesar do entusiasmo inicial, o deslocamento de tão grande coluna alimentou antigas desavenças. Os bandeirantes também tiveram que enfrentar índios inimigos, doenças de todo o tipo, ataque de feras e sucessivas mortes por todo tipo de obstáculo até chegar à atual região do Rio das Velhas, rio da região da atual Belo horizonte e que ajuda a formar o Rio São Francisco.

O que era para ser uma expedição rápida e de sucesso certo, acabou durando 7 anos de afastamento de casa sem muito sucesso (Hernani Donato indica que a expedição se iniciou em 21 de julho de 1674 e o falecimento de Fernão Dias se deu meados de 1681). Ao longo do período, Fernão Dias viu abandonar a coluna o mais rico dos cavaleiros que rompeu a unidade da coluna com grande número de guerreiros - Matias Cardoso de Almeida. Cada dificuldade era enfrentada com maior convicção de encontrar as pedras, até que os próprios membros da coluna começassem a ver o líder como um ser obstinado. O segundo homem da coluna ensaia uma rebelião  - Martim Preto - e é descoberto antes do motim. Na versão do romance histórico de Paulo Setúbal, o filho bastardo de Fernão Dias aprisiona o líder dos amotinados e, determinada a sua morte, executa-a da maneira mais cruel, deixando o rebelde sangrar em área cheia de piranhas.

Continuaram os trabalhos de busca das pedras preciosas. Incessantes buscas frustradas, até que se chega à região que se acreditava ser o lago Vupabussú, área insalubre que acabou por disseminar doenças no grupo de bandeirantes.

Passados anos da expedição e, sem sucesso, outro aventureiro, D. Rodrigo de Castel Blanco, consegue os favores reais para substituir Fernão Dias na promissora empreitada. O espanhol traz consigo técnicos em minerais, o que a coluna original não tinha. Apesar do conhecimento das intenções reais, a viagem para o Brasil era longa e maior ainda até o pouso dos bravos bandeirantes.

Doenças e desprestígio por parte da coroa fizeram os ânimos caírem mais ainda. Novo motim se inicia, mas desta vez o líder da rebelião era o próprio filho de Fernão Dias Pais - José Dias. Borba Gato descobre o motim, a forma de assassinato proposto pelos rebeldes e quando se pretendia executar o plano. Conta tudo o que descobrira ao líder da coluna que se sente mal e duvida do plano inicialmente. Segundo a obra de Paulo Setúbal, no dia da execução do plano, o filho de Fernão Dias chega com a comida envenenada e a deixa para o pai comer. O desconfiado líder, não acreditando na audácia do filho, manda-o provar de seu prato. O filho se recusa. Está descoberta a rebelião. Seu filho é executado.

O grande líder brasileiro, esteio e orgulho dos paulistas, está desanimado pelos resultado, doente pelas pestes locais e espiritualmente vencido pela traição. Obstinadamente, vai para o Vupabussú  (esse local tem as mais variadas nomenclaturas - Vupavuçu, Vupabussu, Vapabuçu) em busca das almejadas pedras. Eis que encontra pedras lindas e verdes. As esmeraldas!
Certeza de que eram esmeraldas! Na volta ao acampamento, Fernão Dias adoece definitivamente, momento no qual chega seu substituto.

Que momento! Os matutos acham que encontraram o tesouro e vem alguém do reino para ficar com o resultado de seu trabalho! As pedras verdes são encaminhadas para a Corte por São Paulo e Bahia. No período, falece o grande líder que é mandado para São Paulo. Grande comoção pela notícia do responsável pela esperança de riqueza da cidade isolada no interior do Brasil - São Paulo.

O drama estava acabado. Só que não!

O corpo do bandeirante cai do barco e não é encontrado pelos que o conduziam. Seu filho abandona os afazeres e vai em busca do corpo do pai. Depois de muito procurar, encontra o corpo no local chamado Guaicuí (Taunay, 1977, 134) e completa a viagem até São Paulo.

Toda a cidade de São Paulo vem render homenagens àquele que trouxe paz, alguma prosperidade, liderança positiva e, acreditava-se, imensa riqueza à cidade.

O maior cortejo fúnebre passa pelas ruas da, então, pequena cidade até o mosteiro de São Bento, onde foi enterrado e permanece até os dias de hoje.

A história não terminou! Descobriu-se que as pedras verdes eram turmalinas (Taunay, 1977, 126)  (http://www.mmgerdau.org.br/descubra/inventario-mineral/turmalina-elbaita/) e não as desejadas esmeraldas (http://www.mmgerdau.org.br/descubra/inventario-mineral/esmeralda/), mas antes mesmo da notícia chegar ao novo governador das Esmeraldas - Castel Blanco, ele foi assassinado por Borba Gato, justamente porque vinha um reinol (pessoa vinda da metrópole) explorar o fruto do trabalho dos filhos da América. Já existia o espírito que futuramente traria a Guerra dos Emboabas.

Tal história entrou no imaginário brasileiro e no espírito desbravador dos futuros paulistas. O exemplo do honrado sertanista serviu de orgulho para as gerações posteriores que tiveram muito mais sorte que o grande homem.

Mas se ele não obteve sucesso, por que a história persistiu no nosso imaginário por tantas gerações? Primeiro os fatos históricos.

A história como saga individual é uma versão brasileira de uma odisseia do sertão, mas também é o início da ocupação e efetiva colonização de Minas Gerais. 


Veja que tão importante é a saga que algumas cidades, como Juramento, em Minas Gerais, escolheu seu nome em referência ao juramento feito pelos bandeirantes a Fernão Dias logo após a execução de João Dias (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/juramento.pdf). Já o Município de Juatuba***, também em Minas, em seu histórico, também faz referência à parada da coluna de Fernão Dias na localidade antes de atravessar o Rio Paraopeba (http://juatuba.mg.gov.br/historia/). Há um duplo elemento a se destacar, a autonomia municipal é ao mesmo tempo a participação na fundação de Minas e a integração de seu território com a passagem do, em última análise, fundador de Minas.

Segue nossa especulação sobre a importância no espírito e imaginário brasileiro.

Para o reino de Portugal, ter um súdito que submete seus próprios interesses à obediência ao rei, pagando a expedição sem custos à Coroa era algo a se enaltecer.

No período da independência, ter um líder que desbravou o interior em nome dos brasileiros e que era fiel súdito do Rei era muito útil.

No período republicano, a ideia do homem comum ir atrás de seu sonho construindo um projeto e ocupando uma região inteira parece ser ideal para o novo espírito que se pretendia construir. Ademais, dentro da política do "café com leite" do início da República, ter um personagem de São Paulo que funda as bases da ocupação de Minas Gerais tem uma importante face simbólica.

No Estado novo e nos períodos ditatoriais, ter um grande líder a conduzir o povo e esmerar-se para obter grandes conquistas numa estrutura patriarcal é símbolo suficiente para reforçar a história.

Na atualidade, era de tentativa de ampliar a efetividade da lei, ter um homem que não submeteu seu interesse pessoal acima da regra de não se amotinar, não pestanejando em executar a regra da coluna mesmo em face de seu filho, é um símbolo de extrema importância. 

Ademais, o obstinado empreendedor que recusou a ajuda do Estado para a conquista de um sonho de fortuna está bem ao gosto da ideologia de valorização da iniciativa privada.

Como essa história se mostra na cidade de São Paulo e no bairro de Pinheiros? A homenagem aos locais e personagens da história está presente nos nomes das ruas. Quanto aos locais visitados:  Vupabussu, Paraopeba, Sumidouro, Tucambira. É de se presumir que a rua Paes Leme seria do  filho de Fernão Dias Pais que resgatou seu corpo: Garcia Rodrigues Paes Leme. Não há porque pensar em homenagear o filho que tentou trair o ilustre bandeirante. Por fim, o local do naufrágio do corpo do bandeirante e seu posterior resgate: Guaicuí (Guaicuhy).






Apenas por curiosidade, embora em outro contexto, o bairro da Aclimação possui nomes de ruas com referência a minerais e, lá, encontram-se a Rua Esmeralda e a Avenida Turmalina.

Mais uma história dos homenageados pelas ruas de São Paulo no bairro de Pinheiros.


Bibliografia:




BELMONTE. No Tempo dos Bandeirantes. 4a Edição, São Paulo: Melhoramentos, 1998.



DONATO, Hernani. O Caçador de Esmeraldas. São Paulo: Círculo do Livro, [...]



FRANCO, Francisco de Assis Carvalho, Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil: Séculos XVI, XVII, XVIII, Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989.



SETÚBAL, Paulo. A Bandeira de Fernão Dias, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1983.



TAUNAY, Affonso de E.. A Grande Vida de Fernão Dias Pais, São Paulo, 3a edição, São Paulo: Melhoramentos, 1977.



Referências:


História do Município de Juatuba, http://juatuba.mg.gov.br/historia/, consultado em 01/08/2018.

Museu da Cidade de São Paulo, http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/cultura, consultado em 29/07/2018.

Museu de Minerais e de Minas/ Museu  Gerdau, http://www.mmgerdau.org.br/descubra/inventario-mineral/esmeralda/consultado em 29/07/2018.

Museu de Minerais e de Minas/ Museu  Gerdau, http://www.mmgerdau.org.br/descubra/inventario-mineral/turmalina-elbaita/consultado em 29/07/2018.


Filmes e obras teatrais:


O Governador das Esmeraldas, Carlos Góes in https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/5320/1/009236_COMPLETO.pdf
consultado em 30/07/2018.

O Caçador de Esmeraldas - https://www.youtube.com/watch?v=skW2JnTwkIQconsultado em 30/07/2018.

No Coração dos Deuses - https://www.youtube.com/watch?v=GJfcsq5Rss8consultado em 30/07/2018.

*Existe um parque Estadual do Sumidouro que fica no Município de Lagoa Santa, em Minas, ao Norte de Belo Horizonte. Além de existir o Sumidouro do Rio, tem uma casa de Fernão Dias (http://www.belohorizonte.mg.gov.br/local/atrativos-turisticos/naturais/parque-estadual-do-sumidouro-trilhas-escalada-circuito).
**Existe um bairro de Sabará chamado Roça Grande (http://sousabara.com.br/descobrindo/r/rocas-grande-bairro-de-sabara/). 
*** O registro na prefeitura sobre a Rua Juatuba é referência a cidade do Piauí.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SURGIMENTO DO TERMO "VARA" JUDICIAL E OUTRAS EXPRESSÕES

DESVENDANDO E DESENVOLVENDO O BRASIL - TEODORO SAMPAIO

QUEM É REBOUÇAS?