O HERÓI MULTITAREFAS - JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Em períodos de crise, a nossa sensação é de luta solitária pelo bem e pelo correto em contraste com o mundo cruel. Na realidade, nosso sentimento é falso! Temos milhões de pessoas pensando em como enaltecer bons valores, com bons projetos e que promovem atividades de relevo.

Estátua na Praça do Patriarca no Centro de São Paulo
Uma das formas de trabalhar a autoestima do brasileiro é com o resgate de seus ícones e heróis.

Muitas pessoas poderiam figurar nessa categoria, mas há um brasileiro que resume muito bem a força do brasileiro: seu nome é José Bonifácio de Andrada e Silva.

Claro que todos nós sabemos que ele foi o patriarca da Independência com uma praça central em São Paulo e outra em Santos em sua homenagem, exemplificativamente. Mas nós pouco sabemos sobre sua vida anterior de resistente invasão francesa a Portugal e seu importante destaque no mundo da mineralogia, inclusive descrevendo novos minerais. Também teve colaboração no campo da cultura, pois era poeta. No mundo de hoje, pode-se atribuir-lhe a vanguarda em conhecimentos como ecologia, química e técnicas de agricultura e ser precursor de estratégias de bem-estar. Relembra-se que todo personagem encontra-se no tempo e contexto, logo, seu pensamento e suas atitudes são coerentes com o seu período e ponto em que pode chegar politicamente.

O patriarca da independência tinha preocupação com os índios, tanto que atribuía ao Estado o dever de zelar por eles, além de querer integrá-los à Nação (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo, 2000, p.75):
O governo do Brasil tem a sagrada obrigação de instruir, emancipar e fazer dos índios e brasileiros uma só nação homogênea e igualmente feliz.
Tinha propostas relativas à inclusão do negro na sociedade da época (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva, 2000, p.35):
Art. X
Todos os homens de cor forros, que não tiverem ofício, ou modo certo de vida, receberão do Estado uma pequena sesmaria de terra para cultivarem , e receberão outrossim dele os socorros necessários para se estabelecerem, cujo valor irão pagando com o andar do tempo.
Preocupava-se com o desenvolvimento econômico, redistribuição da terra improdutiva e incremento da produção sem descuidar da preocupação ecológica. Propôs a venda de sesmarias improdutivas nos seguintes termos (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000, p. 80):
Todas estas vendas serão feitas com a condição de deixarem intacto o sexto do terreno para bosques e mato.
Já sustentava a vinda de imigrantes europeus, do oriente médio e oriente para o País (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000, p. 89):
colônias de europeus para as capitanias do sul e interior; e para a borda da água de chinas e malaios, mas do norte.
Observação importante - com direitos iguais (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo 2000, p. 89):
Nós não reconhecemos diferenças e nem distinções na família humana: como brasileiros serão tratados por nós o china e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do Sol e o da Mafoma.

Seu livro é cheio de ideias fecundas e de incrível atualidade. Algumas de suas frases merecem destaque (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva, 2000, p. 100, 101 e 132) :
No Brasil a virtude, quando existe, é heróica, porque tem que lutar com a opinião e o governo.
A liberdade é um bem, que não se deve perder senão com o sangue.
Não é senhor de si quem a outrem sujeitou a língua. 
Um mau governo é mais filho da moleza e depravação nacional que da audácia dos que influem no governo. 

Formado em direito e filosofia em 1787 (http://www.obrabonifacio.com.br/cronologia/ano/1787/), foi ocupante de cargo de desembargador em Portugal, muito ia utilizar de seus conhecimentos nas propostas para a primeira Constituição Brasileira.

Como ideólogo e parlamentar, defendia a limitação dos poderes do executivo, predomínio do Legislativo, a integração dos índios à sociedade brasileira (Brasil: Uma História – Cinco Séculos de Um País em Construção , Eduardo Bueno, 2010, p. 16), criação de escola fundamental em todas as vilas do Brasil, retomada das terras improdutivas para incrementar a produção nacional (Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues, 1975, p. 189) e combateu a escravidão, na medida do possível em sua época, sendo dele a frase abaixo contida em suas propostas à Assembleia Constituinte de 1825 (ver http://www.obrabonifacio.com.br/colecao/obra/1112/digitalizacao/pagina/8/ ):


“O luxo e a corrupção nasceram entre nós antes da civilização e da indústria. E qual será a causa principal de um fenômeno tão espantoso? A escravidão, senhores, a escravidão. Porque o homem que conta com os jornais de seus escravos vive na indolência, e a indolência traz todos os vícios após si.”


Apesar de seu conhecimento jurídico, resolveu mudar de rumo. Esteve na França no período da revolução francesa e manteve-se como bolsista estudando mineralogia até voltar para a Universidade de Coimbra. Na comemorada universidade, assumiu uma cátedra de Mineralogia. Segundo o artigo "Um Monumento ao Cientista", ele foi o primeiro a descrever quatro minerais : espodumênio - ver Portal da Mineração: Espodumênio,http://portaldamineracao.com.br/espodumenio/-, criolita, escapolita e petalita - este último do qual se extrai o lítio). 
Assumiu diversos cargos científicos e públicos ligados à atividade como Intendente Geral das Minas e Metais do Reino e membro do Tribunal de Minas (História do Brasil, Luiz Koshiba, Denise Manzi Frayse Pereira, 7a edição, São Paulo: Atual, 1996, p. 113).

Mesmo antes da independência, já existia alguma produção de ferro no Brasil, exemplificativamente encontra-se a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema cuja referência encontra-se em seu livro (Viagem mineralógica na província de São Paulo, disponível http://www.obrabonifacio.com.br/principais_obras/pagina/12/, p. 15), o que demonstra que esteve em vários lugaresw do interior.

Sua personalidade forte foi crucial para a resistência portuguesa à invasão francesa. Relembre-se que tal invasão foi a razão da saída da família Real de Portugal e vinda para o Brasil. Ele não fugiu de Portugal naquele período, mesmo sendo brasileiro.

Ao se aposentar em Portugal, voltou ao Brasil. Assumiu a vice-presidência da província de São Paulo e cargos ligados à exploração de Minas. Fez verdadeira expedição para catalogar riquezas minerais da província de São Paulo com seu irmão (http://www.obrabonifacio.com.br/principais_obras/pagina/12/). 

Praça da Independência em Santos

Praça da Independência em Santos
No decorrer dos acontecimentos políticos da época e do choque entre as Cortes Portuguesas e D. Pedro, o futuro imperador precisava de gente que poderia fazer frente ao poder da Metrópole. O historiador José Honório Rodrigues conta que, em 1821, o então Ministro Conde de Louzã recebeu um safanão no braço de D. Pedro por chorar na frente da tropa (Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues, 1975, p. 216). Logo, era preciso alguém que tivesse como características: ser brasileiro, ser forte, ser respeitado intelectualmente e que não temesse a guerra. Que tal um intelectual veterano de guerra...


Após o "Dia do Fico" - 9 de janeiro de 1821, em que D. Pedro contrariou as Cortes Portuguesas, nomeou um Ministério composto por Brasileiros em que o forte ministro nomeado era José Bonifácio - em 16 de janeiro de 1821. O Ministro teve como principal preocupação a afirmação do D. Pedro como defensor do Brasil e a guerra de independência como afirma José Honório Rodrigues:
"Pode-se dizer em resumo, que o governo de José Bonifácio em 1823 até sua queda em 16 de julho, ocupou-se e preocupou-se especialmente com a guerra: a da Bahia, terminada a 2 de julho ; a do Maranhão, a terminar a 30 e 31 desse mesmo mês; e a do Pará, ao 11 de agosto, obra política e militar, feita com sua assistência total. Dedicou-se Também à Constituinte, da qual fora eleito presidente no mês de junho. Enfim, era a guerra para a defesa da integridade territorial e para a manutenção da unidade nacional, o objetivo principal".
(Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues,1975, p. 277)
Estátua na Praça do Patriarca no Centro de São Paulo
Teve papel decisivo em afastar os partidários da independência com potencial de sectarismo em relação ao Brasil em Pernambuco. Em 1821, governava aquela província um oficial português de nome Luís do Rego Barreto, responsável pela repressão aos movimentos pernambucanos de 1817. O comandante leal a Portugal foi afastado após o cerco do Recife em 1821, adesão à "convenção de Beberibe" e exílio do Brasil. Em seu lugar ficou Gervásio Pinto Ferreira que, segundo Bonifácio, tinha tendência separatista. Logo, o forte Ministro, organizou movimento para derrubá-lo e ajudou a eleger Afonso de  Albuquerque Maranhão (Viagem pela História do Brasil, Jorge Caldeira, Flávio de Carvalho, Cláudio Marcondes, Sérgio Góes de Paula, 1997, p. 165). 

Quando perdeu a confiança do Imperador, retornou ao parlamento e, posteriormente, foi exilado na França, onde era vigiado por ser um elemento subversivo e um perigo à monarquia francesa recém reinstalada (Na Mira da Polícia Francesa, Letícia Esqueff).

No retorno ao Brasil, virou tutor de D. Pedro II, atividade que exerceu por apenas 3 anos, sendo destituído da função.

Por todos os seus feitos, não é à toa que consta oficialmente entre os heróis do Brasil (http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/nomes.html).

Tamanha a sua importância que várias páginas eletrônicas também se dedicam ao personagem ímpar. Dou destaque a uma das páginas feita em sua homenagem e com documentos inéditos sobre sua vida e obra - http://www.obrabonifacio.com.br/. Recomendo a visita e a consulta.

A partir do destaque do personagem, enaltece-se não só a pessoa, mas os valores que o moviam e a importância da qualidade de pensador, cientista, homem público e homem de ação, seja na defesa de Portugal, seja na criação do Brasil e da unidade nacional. Realmente, é fonte de inspiração para períodos de crise geral e institucional. 


Bibliografia e Sugestões de Leitura:
A Atualidade do Equilibrista, Jorge Caldeira  in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Dueto, maio de 2006, pp. 46 a 49.

A Química de José Bonifácio, Carlos Filgueiras, A Química de José Bonifácio, in Química Nova, n. 9, Belo Horizonte, 1986, http://quimicanova.sbq.org.br/imagebank/pdf/Vol9No4_263_v09_n4_(1).pdf , consultado em 27 de novembro de 2017.

A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, http://www.ipero.sp.gov.br/floresta-nacional-de-ipanema/, consultado em 27 de novembro de 2017.

Bonifácio: Esboço para Uma Nova Biografia, in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Dueto, maio de 2006, pp. 42 a 45.

Brasil: Uma História – Cinco Séculos de Um País em Construção, Eduardo Bueno, São Paulo: Leya, 2010, p. 16.

Câmara aprova título de Patrono da Independência do Brasil para José Bonifácio de Andrada e Silva, http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-CULTURA/539065-CAMARA-APROVA-TITULO-DE-PATRONO-DA-INDEPENDENCIA-DO-BRASIL-PARA-JOSE-BONIFACIO-DE-ANDRADA-E-SILVA.html , consultado em 27 de novembro de 2017.

Enciclopédico e Reformista, Ana Paula Medicci, in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Dueto, maio de 2006, pp. 54 a 57.

Fazenda Ipanema: Ruínas do Brasil Império ao lado de Sorocaba, https://coisosonthego.com/fazenda-ipanema-sorocaba/ ,consultado em 27 de novembro de 2017.

Floresta Nacional do Ipanema, http://www.icmbio.gov.br/flonaipanema/guia-do-visitante.html , consultado em 27 de novembro de 2017.

História do Brasil, Luiz Koshiba, Denise Manzi Frayse Pereira, 7a edição, São Paulo: Atual, 1996.

Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, pp. 189 e ss.

José Bonifácio : Obra Completa, http://www.obrabonifacio.com.br/, consultado em 27 de novembro de 2017.

Na Mira da Polícia Francesa, Letícia Esqueff, in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Dueto, maio de 2006, pp. 50 a 53.

Os dez heróis do Livro dos Heróis da Pátria, Sylvio Guedes, in Jornal do Senado, http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/nomes.html, consultado em 27 de novembro de 2017.

Portal da Mineração: Espodumênio, http://portaldamineracao.com.br/espodumenio/ , consultado em 27 de novembro de 2017.

Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000.

Rebelde Com Causa,  Sérgio Alcides, in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Duetto, maio de 2006, pp. 60 e 61.

Um monumento para o Cientista, Sérgio Góes de Paula in História Viva, n. 31, São Paulo: Editora Dueto, maio de 2006, pp. 58 e 59.

Viagem Mineralógica na Província de São Paulo, José Bonifácio de Andrada e Silva e  Martim Francisco Ribeiro de Andrada, (c. 1820; em 1846, publicada postumamente numa antologia de textos de vários autores) , disponível na página http://www.obrabonifacio.com.br/principais_obras/pagina/12/, consultado em 28 de novembro de 2017.

Viagem pela História do Brasil, Jorge Caldeira, Flávio de Carvalho, Cláudio Marcondes, Sérgio Góes de Paula, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 165.

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