EM DEFESA DA ESTÁTUA DE BORBA GATO
Chegou ao Brasil com maior vigor a
discussão acerca dos homenageados em monumentos desde o protesto britânico
contra o racismo ocorrido em Bristol, em 7 de junho de 2020, movimento com o
qual simpatizo (antirracista). Muitas pessoas passaram a pensar o destino dos monumentos de São
Paulo.
Pois bem, gostaria de defender a
estátua de Borba Gato. Em primeiro
lugar, Borba Gato foi o primeiro governador de fato de Minas Gerais, com o
posto de Guarda Mor da região das minas. Esse fato é importante, pois poucos
cargos relevantes eram reconhecidos por Portugal e ocupados por nascidos nas
colônias no século XVII e início do século XVIII. Borba Gato foi das poucas pessoas
daquele período histórico que, com origem meramente colonial ou simples, sem
ser dono de engenho, ocupou cargo reconhecido pela coroa. Nesse sentido, a importância do homenageado
tem um caráter de início da
nacionalidade brasileira.
Borba Gato acompanhou Fernão Dias
no que podemos dizer ser a ocupação e fundação de Minas Gerais, integrando esse
maravilhoso estado ao que hoje chamamos Brasil. Logo, a construção de uma
estátua na São Paulo industrial (obra feita de 1957 a 1963) de um colono de
importância em São Paulo e Minas Gerais é
um sinal do caráter metropolitano e cosmopolita da cidade. É importante
falar de grandes quantidades dos queridos mineiros que colaboraram no
desenvolvimento da metrópole paulista. Ao contrário do que dá a entender quem
discute a estátua, os mineiros que aqui vieram foram brancos de colonização antiga,
imigrantes e seus descendentes que passaram por Minas e voltaram a São Paulo, caboclos,
índios e afrodescententes. Logo, a
simbologia da estátua dá-se na multiplicidade de raças e união do Brasil e
não em um caráter discriminatório.
Outro elemento relevante, Borba
Gato representa justamente a mudança do que se convencionou chamar de
bandeirantismo. A predominância das atividades a partir da expedição de Fernão
Dias (Borba Gato era o número 2 da expedição) passa a ser a mineração e não a
escravização. Tendência reafirmada no encontro de outras riquezas minerais e
ocupação de Goiás e Mato Grosso. Deve-se fazer a ponderação de que os processos
históricos são paulatinos e não significa que de um dia para o outro os colonos
tupi-paulistas (chamados de bandeirantes) abandonaram suas antigas práticas
para adotar completamente outras. A mineração também trouxe um novo fluxo de
escravidão negra, mas não foi algo criado ou mentado pelo ilustre personagem da
estátua.
A própria estátua tem uma outra característica
importante: a sua estrutura foi feita com material reaproveitado de ferrovias.
Assim, o escultor Júlio Guerra, nascido na então cidade de Santo Amaro, adiantou
em muito uma tendência de reciclagem (embora o aspecto externo não tenha essa aparência),
movimento de grande importância para o desenvolvimento
sustentável.
Todas as grandes metrópoles
possuem uma sede pelo conhecimento de suas origens, é o caso de Nova Iorque,
Roma, Paris, Tóquio, entre outras. Alguns intelectuais fizeram o mesmo por São
Paulo, Rio, Recife e outras importantes cidades do Brasil, no entanto, nossa
vida atribulada acabou não nos deixando perceber a importância de conhecer nossos
personagens históricos. Percebe-se que abandonamos autores que falam do período,
alguns pertenceram ou foram premiados pela Academia Brasileira de Letras (Paulo
Setúbal e Hernani Donato), assim como grandes livros dos últimos tempos e da
atualidade que merecem nossa leitura atenta (Capital da Solidão, A Capital da
Vertigem, São Paulo na Monarquia Hispânica, O Banqueiro do Sertão, O Índio e a
Conquista Portuguesa, entre outros).
Nesse sentido, creio que devamos
exaltar o caráter cosmopolita da estátua e não julgá-la fora de seu contexto de
criação.
Segue acima, a íntegra da carta remetida à Folha de São Paulo em 24 de junho de 2020, não publicada.
Fábio Mauro de Medeiros
Fábio Mauro de Medeiros
Referências posteriores:
BORBA GATO: UM BANDEIRANTE MUITO CONCRETO - EDUARDO BUENO, https://youtu.be/UKHK80py4qo, consultado em 24/7/2020.
Borba Gato, Barros Ferreira, Coleção Saraiva, São Paulo, [1956].
Monumento de Borba Gato, https://www.saopauloantiga.com.br/borba-gato/, consultado em 24/7/2020.
Professora defende obra de artista Júlio Guerra, criador do Borba Gato, https://vejasp.abril.com.br/blog/terraco-paulistano/professora-defende-obra-de-artista-julio-guerra-criador-do-borba-gato/ , consultado em 24/7/2020.
Borba Gato,
https://www.sohistoria.com.br/biografias/borba/, consultado em 24/7/2020.
Comentários
Postar um comentário