POR QUE FERNÃO DIAS PAIS É TÃO FAMOSO?
Fernão Dias Pais é um dos grandes expoentes brasileiros do Século XVII. Sua fama se deve a fatos marcantes e que teve o mérito de consolidar a paz e o território paulista, além da posse portuguesa em Minas Gerais no final de sua vida.
Não à toa tem seu nome associado à estrada que liga São Paulo a Minas Gerais, ao parque ecológico no meio do caminho e uma das principais e mais antigas ruas do bairro de Pinheiros.
placa de parque estadual em Minas Gerais |
Retirando o aspecto da escravidão, a chegada de uma bandeira a São Paulo significava a vinda de mão de obra, mas não só. Cada tribo conquistada juntava-se às tribos aliadas e trazia sua cultura e o modo de vida para integrar a uma cidade que é trabalhada como cidade portuguesa, mas que falava a língua geral (tupi-guarani).
Nessa terra de índios, os bravos não só utilizavam a força, mas também conquistavam a admiração, eram os guerreiros maiores.
Nesse ambiente, Fernão Dias Pais conquistou suas fazendas abundantemente habitada por trabalhadores indígenas.
Nos momentos de crise, os colonos tinham a noção da necessidade de proteção mútua. Mas algumas pessoas iam além do mínimo. Era o caso de Fernão Dias. Além da invasão holandesa no nordeste, o Brasil foi atacado por piratas holandeses. O capitão holandês, Von Spielbergen, em sua circunavegação do mundo, atacou São Vicente e Santos. Quem foi ajudar a cidade de Santos com tropa própria e custeando de seus bens a construção de defesas? Fernão Dias!
montagem |
Seguem trechos de cartas sobre o tema. Um documento do rei de Portugal para o filho de Fernão Dias (in Taunay, 1977, 156):
El Rey nosso sor.,
tendo respto., aos servos. de Fernão Dias Paes obrados no
anno de 639 em diante de capm. dos destrietos, e limites de
coti Tambere, e Va de S. Paulo acodindo a todos os rebates, ~q os
ollandezes infestarão, indo a sua custa conduzir soldos., principalte.
na ocazião em ~q houve nota ~q os dos. olandezes hião em
o anno de 640 com onze embarcações a saquear, e tomar a da Va,
a ~q acudio the o ino se retirar com perda de mta. gente,
assistindo não so com a sua pessoa, mas com mtos. escrauos a sua custa
as fortificações, e guardas, dando exemplo aos maes com o su zello; ...
E melhor o mostrou com exemplo em todas as ocasiões que se
ofereceram do rela serviço em que assistiu sempre tão pontual assim com sua
pessoa como sua com sua fazenda que parece não tinha nascido no mundo
para outra cousa mais que para solicitar o aumento da Real Coroa...Ao porto da
vila de Santos acudiu pessoalmente com os seus índios que tinham obrigatórios
em grande número aos rebates que se deram várias vezes por causa dos holandeses
exercendo o posto de capitão da ordenança muitos anos com grande
satisfação.
Num local ermo e afastado do contato europeu e que dependia do apresamento de índios, os grandes chefes de São Paulo eram valentões, pessoas rudes que poderiam passar longos períodos em meio à mata e sobreviver em condições adversas. Naturalmente, essa pessoas não eram violentas exclusivamente nas matas, mas em seu cotidiano. São Paulo foi palco de uma guerra civil entre duas famílias principais: as dos Pires e dos Camargos, o que levou quase todos a adotar a causa de uma ou outra família. Numa discussão entre dois dos chefes de família - Pedro Taques (Pires) e Fernão de Camargo, o Tigre (Camargo), iniciou-se um combate campal entre os dois e seus índios cativos. Vários autores relatam a batalha campal na região da Matriz (atualmente praça da Sé), com muitos mortos e feridos. Os líderes saíram vivos. Num segundo momento, o "Tigre" teve a notícia de que Pedro Taques estava andando descontraidamente pela cidade, oportunidade em que seu inimigo aproveitou para se aproximar sorrateiramente e apunhalá-lo nas costas covardemente. A hostilidade aberta entre as famílias estava consolidada, só faltava um evento para explodir os combates perenes. Uma vergonhosa situação shakespereana aconteceu, de tal forma que os próprios historiadores não resistem ao paralelo com Montéquios (Montecchios) e Capuletos (Setúbal, 1983, 58). Um dos Pires era casado com uma Camargo e, numa comemoração, o forte matuto mata a esposa num golpe que deveria ser demonstração de carinho. Ao constatar a besteira e a evidente repercussão, tentou justificar o assassinato atribuindo à mulher um suposto adultério. Mandou um recado para o primo da moça para participar da comemoração em sua fazenda, quando o desatento pretenso folião se aproximou, foi emboscado e morto. O assassino tentou espalhar a notícia do caso que não deve ter convencido muita gente. Os parentes dos falecidos foram ao encalço do assassino, que fugiu para a casa da mãe - Senhora respeitada pela comunidade. Após o cerco da casa da mãe do assassino com direito a tiroteio, a mãe resolveu o inicial impasse e entrou num acordo com os sitiantes de sua casa. Ela entregaria o filho que seria julgado não em São Paulo, mas na sede do Governo Geral da Colônia, em Salvador. Cumpriu-se a promessa, o assassino foi embarcado em navio para Salvador fazendo escala em Parati. Enquanto os vigilantes caminhavam com o prisioneiro para Santos e embarcavam no navio, a mãe do assassino adiantou-se por terra e chegou à cidade de Parati. Quando a embarcação se aproximou da cidade intermediária entre Santos e Rio de Janeiro, avistou-se a rica matrona. Logo, os guardas do assassino presumiram que ela iria corromper os julgadores em Salvador, por isso o deslocamento simultâneo, e executaram o criminoso na frente de sua mãe. A partir daí, a guerra não pararia e a principal animadora das hostilidades era a mãe do assassino original - Inês Pires.
Enquanto as hostilidades familiares aconteciam, outro conflito tinha consequências. Quando os bandeirantes, matutos e rudes, atacavam as missões e destruíam os feitos jesuítas, esses reagiam. Passaram a se armar para resistir aos bandeirantes e, paralelamente, usando da influência da ordem, passaram a difamar a cidade de São Paulo e seus habitantes com o fim de excomungá-los. Na inimizade no campo internacional, passou-se ao local. Os padres jesuítas protestavam pela devolução dos índios às Missões e incentivavam a fuga dos escravos indígenas. A solução dada pelos locais foi a expulsão dos jesuítas. Fernão Dias não estava presente à sessão da Câmara que tomou a decisão, apenas participou da sessão que testemunhou a saída dos padres. Num período posterior, numa tentativa de trazê-los de volta, um dos atores em favor do retorno dos Jesuítas foi Fernão Dias que foi buscar pessoalmente o padre Albernaz no Rio de Janeiro e fez a escolta até a reinstalação dos inacianos em São Paulo novamente. Houve um curioso tratado entre as cidades da então capitania de São Vicente e os padres: eles voltavam para as cidades, retomavam seus bens anteriores, mas tinham que se comprometer a não incentivar a insubordinação ou fuga dos índios apresados.
Paralelamente, Fernão Dias Paes era admirador da ordem beneditina. Com o aumento do quadro de monges em São Paulo, a pequena igreja com sua lateral com quartos era insuficiente para a acomodação, ainda que simples, dos novos monges. Imbuído do espírito cristão, à sua custa pôs seus índios a construírem a segunda configuração da Igreja de São Bento e a nova ala de acomodações para os monges. O acordo final entre o famoso Bandeirante e os monges envolvia a doação de uma propriedade agrícola para ajudar no sustento do monastério e o direito de ser enterrado na igreja, ele e seus parentes, além da própria realização da construção. Realmente, o enterro do valente se deu na igreja no Monastério que, mesmo com a sua terceira e quarta reconstruções, mantém o que tratado com a famosa personalidade que viabilizou o crescimento da ordem em São Paulo.
Escritos da sepultura de Fernão Dias no atual Mosteiro de São Bento/SP - publicação autorizada pelo Mosteiro |
Fernão Dias também ficou famoso por atrair para a região de sua fazenda de Santana de Parnaíba três tribos de índios do Paraná (região de Apucarana) que vieram para as terras da Capitania de São Vicente. Taunay, valendo-se do notável trabalho de Pedro Taques (descendente do esfaqueado no início dos conflitos Pires x Camargo), destaca a amizade do bandeirante com os reis/caciques das tribos conquistadas - Tombú, Sondá e Gravitay. As guaianás tribos organizadas estavam desgastadas por guerras com outros inimigos. Fernão Dias, aparentemente, cortou e depois controlou os suprimentos das tribos e negociou a paz, prometendo terras férteis na região do rio Tietê. Celebrou-se uma aliança entre todos, mas, na jornada, faleceram Sondá e Gravitay. As tribos se instalaram ao sul de Santana de Parnaíba sob o comando de Tombú.
Há relatos de que Fernão Dias também esteve na região do Uruguai, combatendo espanhóis pela coroa portuguesa.
Há relatos de que Fernão Dias também esteve na região do Uruguai, combatendo espanhóis pela coroa portuguesa.
Claro que o período de guerra civil devia ser superado, quem deu o apoio para o Governador Geral promover a paz em São Paulo? Fernão Dias! Houve um tratado entre os líderes das duas famílias com o auxílio das autoridades reais para por fim às hostilidades assinado por Fernão Dias Pais na facção Pires. Segue trecho do texto do tratado (in Taunay, 1977, 156):
... servindo e exercitando o cargo de Ouvidor Geral, desta
repartição do Sul, ora de próximo viera de Correição desta Villa de São Paulo ,
por bem de seo cargo, e na forma de seu Regimento e achando os moradores dela dezaviados
e quebrados da paz e amizade em que antigamente se conservavão suas pessoas ,
cazas e famílias; e por razão de antigas inimizades e malquerenças muito antigas
que entre si tinhão; por cuja causa de ordinario haviam bandos, motins, e
alterações neste povo, com tanto excesso que por varias vezes tinhão chegado a
rompimento de que havião resultado varias mortes, ferimentos, insultos e latrocínios,
assim entre os mesmos moradores, como no gentio, que cada qual dos ditos bandos
a si tinha agregado; e, ultimamente achando-se esta Villa no mais miserável estado,
que se podia considerar; porquanto a mayor parte dos moradores a tinhão desamparado
e se hiam metendo no sertão e matos, fazendo novas povoaçoens e domicílios,
vivendo sem sucego muy atrazados e deminutos
em seos cabedais, e lavouras com que o comercio e rendasde S. Magestade se
perdião; e originavão grandes desserviços a Deos e ao dito Snr e o respeito e
temos da justiça totalmente se perdia. E excogitando ele Dito Ouvidor Geral com
madura consideração (de um mês a esta parte que entrou nesta villa) os meios
mais suaves para reduzir os moradores ao vinculo da paz, e União com que
deantes se tratavão, e communicavão cousas tão convenientes ao serviço de Deus
e de S. Magestade e ao bem comum e conservação desta Republica e seos moradores
e de danta utilidade a este Estado do Brasil, em cuja consideração ele dito
Ouvidor Geral trata logo com grande desvelo e zello do serviço de S. Magestade
por sua pessoa e autoridade do cargo, que actualmente está carecendo e com
ajuda e intervenção dos Religiosos e pessoa mais nobres e authorisadas deste
Povo de meter a paz e união entre os ditos moradores e atalhar os damnos
futuros, que os ameação como a experiência largamente o há mostrado...
Por todos os feitos memoráveis, ele foi um dos mais respeitados cidadãos da colônia, seja nas aventuras na floresta, seja no desempenho em guerra, seja na celebração da paz. Quando surge a notícia da existência de esmeraldas no Brasil, quem seria a pessoa mais qualificada para organizar a expedição? Fernão Dias.
O próprio rei escrevia ao ilustre súdito dando a ele o respeito, o incentivo e a autoridade para a desgastante e, aparentemente, promissora missão. Fernão Dias foi nomeado "Governador das Esmeraldas" sendo-lhe dado amplos poderes em nome do Rei.
Mas o que tudo isso tem a ver com o bairro de Pinheiros? Segundo Taunay (1977, 97), Fernão Dias Pais tinha uma fazenda em Pinheiros, a fazenda de Capão. Daí, além da pertinência do personagem com a cidade, ele tinha laços com a região onde hoje se encontra o bairro.
Rua Fernão Dias no Bairro de Pinheiros |
Na próxima oportunidade, tratar-se-á da expedição das esmeraldas.
Bibliografia:
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho, Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil: Séculos XVI, XVII, XVIII, Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989.
SETÚBAL, Paulo. A Bandeira de Fernão Dias, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1983.
TAUNAY, Affonso de E.. A Grande Vida de Fernão Dias Pais, São Paulo, 3a edição, São Paulo: Melhoramentos, 1977.
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